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porque sim.

há várias coisas que me “arranham”, neste referendo sobre a despenalização do aborto. o post é grande, aviso. vamos por partes.

* do princípio: nenhum contraceptivo é perfeito. a taxa típica de “falha” de quem toma a pílula, por exemplo, é de 5%, e no caso do preservativo (masculino), pode ir até aos 15%. (da wikipedia)

no caso da pílula, isso quer dizer que 1 em cada 20 vezes podem resultar em gravidez.
nem toda a gente engravida por desconhecimento, estupidez. há acidentes e acidentes.

* mais: eu não fumo, não bebo álcool, ainda não pago impostos, mas hei-de pagar em breve.
com o dinheiro dos meus impostos, o estado há-de tratar pessoas que fumaram a vida toda e ganharam com isso um cancro do pulmão. ou financiar estádios de futebol que eu não pedi.
peguemos no caso dos fumadores, já que o acto de fumar é uma escolha consciente e pessoal, que os afecta a eles, e aos fumadores passivos que os rodeiam.

eu pergunto, porque é que está tanta gente preocupada com o dinheiro que o estado vai gastar a fazer abortos, quando tanto se gasta com a curar os fumadores doentes? será que a solução para acabar com o fumo e o tabaco é mandar para a prisão quem aparecer no hospital com um cancro do pulmão…?

* as crianças têm o direito de ser desejadas. é o que mais me angustia, de todas as razões que se esgrimem, o querer que se criem pais por acidente, ou contra vontade, ou fazer crer que toda a gente pode ser mãe/pai. não pode, não devia! uma criança merece o melhor, merece que os pais estejam psicologicamente, emocionalmente, financeiramente preparados para acompanhar o seu crescimento. precisa de estabilidade, precisa de um lar. precisa de responsabilidade, segurança.
não se nasce e “depois logo se vê”.

* e as mulheres que já têm filhos, as mães que engravidam novamente e não se sentem capazes de criar mais um(a)? saberá alguém melhor do que uma mãe ou um pai o que é preciso para educar uma criança?

com que moral as deixamos fazer abortos à mercê de parteiras “habilidosas”, de comprimidos para as úlceras, de perfurações do útero e afins? deixamos que uma mãe morra e deixe filhos órfãos, que uma família se desintegre, para proteger um feto de 10 semanas?

* a propósito, “O feto de 10 semanas não tem dor, não tem vontade, não tem vigília, não tem consciência. As primeiras ligações ao córtex cerebral em formação, acontecem entre as 23 e as 30 semanas. Mas anatomia é diferente de função. A evidência mais precoce de actividade cortical é entre as 29 e as 30 semanas.” (daqui)

*
“A Organização Mundial de Saúde defende que: “Os governos têm de avaliar o impacto dos abortos inseguros, reduzir a necessidade de abortar e proporcionar serviços de planeamento familiar alargados e de qualidade, deverão enquadrar as leis e políticas sobre o aborto tendo por base um compromisso com a saúde das mulheres e com o seu bem-estar e não com base nos códigos criminais e em medidas punitivas. (…) As mulheres que desejam por termo à gravidez deverão ter um pronto acesso a informação fidedigna, aconselhamento não-directivo e em paralelo, devem ser prestados serviços para a prevenção de uma gravidez indesejada assim como a resolução e reposta face a possíveis complicações” (a partir de: Unsafe abortion: Global and regional estimates incidence of a mortality due to unsafe abortion with a listing of available country data – Third edition, 1997 – Ref. WHO/RHT/MSM/97.16)”, daqui.

* e por último: ninguém defende o aborto, não é isso que portugal vai votar no domingo.
a pergunta é, se uma mulher decide interromper a gravidez, qual é a resposta que este país tem para ela?
uma visita a espanha, ou a insegurança e as complicações de um aborto feito em casa e uma estadia na prisão. a discriminação, a humilhação, o marginalizar, a clandestinidade e o apontar do dedo.
em vez do acompanhamento médico e psicológico na sua decisão.

* pronto: eu voto sim. já chega.

4 replies on “porque sim.”

Eu voto não, e não porque acho que as mulheres devem ser presas, mas porque o referendo não vai mudar nada. Eu nem devia comentar isto HOJE, mas cá vai.
* Os acidentes acontecem. Eu não sou mulher, mas sei que dois meses e meio é tempo demasiado para notar que se está grávida. Eu sei que há mulheres com o ‘período’ desregulado, mas não chega aos dois meses.
* O Álcool, o tabaco e o futebol paga ao estado o suficiente para pagar os respectivos problemas.
* As habilidosas vão continuar a existir. Como qualquer exame que seja necessário realizar em Portugal, e a não ser que abram excepções, vão obrigar à mulher a ir ter com o médico de família para abortar. Digam o que disserem, eu não acredito que o façam. Na melhor das situações vão a clínicas particulares, caras. Ok, talvez seja melhor que ir a Espanha. Pelo menos o lucro fica em Portugal.
* quanto ao ser mau uma criança não desejada.. já falaste com alguma que podesse ter sido vítima de aborto, mas que não foi? Bem, a menina é gira, simpática e dá-se muito bem com os pais. Acho que todos aqueles que votam ‘sim’ e que não foram desejados pelos pais se deviam matar.
* sim, mas a OMS também defende que se deve dar apoio às mães grávidas, e no entanto o governo fecha maternidades sem um referendo.
* e finalmente, eu sei que não vai ser votado se se defende o aborto ou não. EU defendo que a mulher deve poder fazer o aborto em segurança. No entanto a pergunta que vai ser votada amanhã, e a legislação que está preparada para ser aprovada não vai, a meu ver, resolver nada.

Finalmente, e em particular para a Ana que me ‘assaltou’ quando fiz um post sobre o não ao aborto, eu apresento as minhas razões mas aceito os restantes pontos de vista.

olá alberto. como é que o referendo não vai mudar nada, se o que se vota é a mudança da lei? é a diferença entre criminalizar ou não. é a diferença entre fazer um aborto em segurança num hospital, ou não (porque a lei o proíbe!). votar ‘não’ é deixar tudo na mesma, como foi até agora. votar ‘sim’, é expressar a vontade de mudar. mas vá, por partes.

* 10 semanas é muito tempo? para quem? ser ilegal é não dar tempo nenhum ou, pior, todo o tempo que se queira – e isso não é alternativa para um aborto seguro.

* o facto de um vício ‘pagar o prejuízo que faz na sociedade’ não justifica a existência do vício em si. a questão está em que pagamos muita coisa que não queremos, com os nossos impostos. o facto de alguns se zangarem com a parte dos impostos que vai servir para pagar abortos alheios não tem razão de ser. os abortos que se fazem vão sair mais baratos do que o tratamento das overdoses de comprimidos que as mulheres desesperadas tomam, ou as complicações pós-aborto. que todos pagamos na mesma.

* as habilidosas vão continuar a existir? porquê? para quê? se puderes fazer um aborto num centro de saúde esterilizado, à porta de casa, com acompanhamento médico, vais arriscar a vida em casa de uma parteira habilidosa, e ainda pagar? não tem muita lógica… é uma questão de sociedade, e essa parte cabe a nós mudar.

* não, que eu saiba não conheço pessoalmente nenhuma criança ‘não desejada’. mas ouço falar de bebés em contentores do lixo, vítimas de maus tratos ou os que sofrem calados a infância toda, os que são postos nas mãos das amas temporárias, porque os pais estão demasiado ocupados e não têem tempo. se uma mulher acha que não tem condições de ser mãe, quem sou eu ou tu para a contradizer? mais vale esta humildade do que a prepotência de se julgar que se deve pôr uma criança no mundo, , só porque se engravidou.

* bem, eu não te ‘assaltei’. o teu post dizia, e passo a citar directamente das minhas feeds, ‘ I do not agree because this makes any woman able to abort in the first 10 weeks in any situation. Last week I saw a couple at the TV saying:’ we had sex and my girlfriend got pregnant. Fortunately I could convince her to interrupt her pregnancy’. This means people will abort just because they have sex and didn’t use the correct method to prevent pregnancy. I trust that most teenagers do not have sex, or have it with the correct precautions, being afraid of get the girl pregnant. Although AIDS would be also a good reason for that to happen, I do not think teenagers think of it. So, I am convinced that with this law approved AIDS will propagate quite faster.’

a pergunta que eu te fiz foi ‘entao tu achas que as pessoas vao pensar ‘pah, deixa la o preservativo, temos sempre o aborto se precisarmos’?, ou que se vão esquecer que podem apanhar sida se não o usarem?’

não me respondeste e retiraste o post. enfim.

Alberto diz: ‘Eu voto não, e não porque acho que as mulheres devem ser presas, mas porque o referendo não vai mudar nada.’

Erro ou pura ignrância, Alberto. Tu votas não. NÃO significa que NÃO concordas com a despenalização do aborto. Ou seja, CONCORDAS que as mulheres sejam presas. Se votas não, não estás a dizer ‘não abortem’, estás a dizer: ‘abortem na mesma e sejam presas’.

Pensa melhor… o que tu queres é votar sim.

Alberto: 2 meses e meio não é ‘muito’ tempo. Como não és mulher nem sabes muito do que falas nem do que é ter uma menstruação, deixa-me dizer-te que há mulheres que menstruam depois de estarem grávidas. E como têm o período nem percebem que estão grávidas. Não é muito tempo e nem é 2 meses e meio para ‘decidir’, porque considerando que se conta apartir do início do ciclo, as primeiras 4 semanas, é apenas ovulação e fertilização e a mulher não tem a mínima ideia se está grávida, só ao fim de 4 semanas de gravidez é que uma mulher pode eventualmente saber se está grávida, se lhe faltar a menstruação. Sobram 6 semanas para decidir o que quer fazer. Não é muito, principalmente se a mulher tiver uma menstruação ‘habitual’, o que pode acontecer e ficar convencida que não está grávida, aí passa mais 4 semanas até finalmente perceber que esta grávida e no fim sobram-lhe 2. Achas muito?

São todos muito intransigentes, e no fundo fica a ideia que uma mulher é uma incubadora sem voto na matéria que deve ser obrigada a dar à luz nem que seja para dar o filho para adopção, mesmo sabendo a criança não ia ser adoptada antes dos 7 anos.

O não é medieval. Não há volta a dar. Todos querem soluções absolutas e estão dispostos a sacrificar uma hipótese de mudança.

Ana: Concordo com tudo o que escreveste. Reconforta-me ler pessoas que também são pelo sim, sem hipocrisias.

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