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“Se és designer ou criativo, talvez já tenhas descoberto um dos segredos da profissão: as empresas onde ganhamos o pão não alimentam a criatividade. Aliás, elas nem sequer sabem o que é a criatividade.
As empresas de comunicação são especialistas na arte do desperdício de talentos. Sob o pretexto, simplista, de o design e a publicidade estarem ao serviço das necessidades do marketing, acabam por nivelar por baixo o potencial criativo das peças que desenvolvem. A lógica da venda sobrepõe-se tirana sobre o potencial inovador que os recursos humanos poderiam criar. Como a psicologia dos Clientes favorece quase sempre a solução convencional, consensual, contida, são raras as agências que têm a força moral para furar o muro da mediocridade.
Há uma característica do acto criativo que continua a escapar à inteligência de muito boa gente – quão mais criativo é um trabalho, mais resistências vai encontrar. O público, quer o das equipas de marketing, quer o consumidor final da comunicação, incomoda-se com tudo o que seja diferente da sua experiência passada; pois o que é novo obriga a pensar. Ora, pensar assusta aqueles que estão satisfeitos com o que já conhecem.
O que seria uma casa criativa ideal? Quando lemos as missões e apresentações e aspirações das empresas ditas criativas encontramos sempre a mesma lenga-lenga. Que “somos absolutamente fantásticos a fazer o que fazemos e que mais ninguém consegue fazer porque temos um método de trabalho genial e uma organização divinal” e etc. Entre esta retórica e a realidade há uma maior distância do que entre a Lua e o fundo do universo. A verdade está nesta simples constatação, criar criatividade implica ter gestores criativos. Gestores capazes de compreender os factores decisivos na actividade dos designers e criativos, capazes de moldar o ambiente de trabalho e capazes de seduzir a Clientela com ousadia intelectual. Se não remarmos todos na mesma direcção, mais vale mandarmo-nos à água e começar a nadar – sempre chegamos mais longe.
Designers e criativos transportam consigo um sonho nebuloso, indefinido, desfocado, sobre o seu futuro. São como seres fabulosos, no sentido em que se aparentam com as criaturas mitológicas cujos corpos são constituídos por partes de diferentes animais. Esse conjunto heterogéneo de grifos, quimeras, harpias e minotauros vive cindido entre as exigências de um trabalho industrial e o desejo de ser artista. Permanecer no meio e não perder a alma, embora servindo a dois senhores, pede uma constante atenção ao essencial da nossa vocação. Isto é, se tivermos vocação…
A criatividade começa nos genes, não nascemos todos para o mesmo. A criatividade desenvolve-se com uma educação rica em estímulos para as nossas capacidades específicas, sejam as gráficas, visuais, de escrita ou conceptuais. A criatividade cresce com as experiências da vida, a descoberta das nossas estonteantes possibilidades, a consciência de nunca estarmos acabados. E a criatividade atinge a maturidade quando se compreende a sua finalidade suprema – entrar na intimidade invisível do outro, vencer o abismo que separa duas pessoas.
Se existisse uma empresa de comunicação que escolhesse os seus criativos pela ambição de marcarem a diferença, os seus produtores pela paixão da perfeição, os seus contactos pelo entusiasmo de vender grandes ideias e superiores execuções, os seus directores pela visão comercial revolucionária, uma empresa que se unisse na derrota e fosse generosa na vitória, que não exigisse dos criativos que chegassem cedo ao trabalho mas antes que chegassem o mais rápido possível às boas ideias, que investisse na inteligência emocional muito mais do que nos computadores, que escolhesse Clientes também pela liberdade criativa que eles permitissem e que fizesse do dia-a-dia laboral uma oportunidade para nos dignificarmos como seres humanos – quanto pagarias para trabalhar aqui?
A criatividade não nasce nas agências. A criatividade é aquilo que os criativos levam para as agências, mas que foram buscar a outro lado qualquer. We need to get out more.


guru, 2004″

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